Terça, 15 de outubro de 2013 - parte 2

MITOS      

Glauco Fonseca

Meu filho Cícero, do alto de seus 10 anos incompletos de vida, escutava atentamente uma conversa entre a mãe dele e eu. Nosso assunto – até então apenas com a participação dos adultos - girava ao redor de mitos, mentiras, mitologias e correlatos. Discorríamos, Silvia e eu, a respeito da semelhança entre o mito e a mentira. Ótima discussão pois, diante de difícil temática, chegamos a conclusões convergentes, o que não é muito comum em conversas tendo um dos interlocutores uma psicanalista inteligente e um “eu” altamente competitivo. Havíamos chegado a um consenso de que mitologia, ao nosso jeito de pensar naquele momento, era uma espécie de compilação de histórias muito pouco prováveis e ainda menos comprováveis de modo histórico ou científico. Em nossa conversa, dado momento chegamos a achar que mitos eram nada mais do que mentiras revestidas de história, mas bem que poderiam, também, ser história adornada com inverdades.

Usamos, é claro, personalidades conhecidas para diferenciar o que achávamos mais com pinta de mito, ou com jeitão de embuste, de mentira mesmo. Partindo do princípio de que mitos trabalham com a saturação do sentido, ou seja, que inúmeras narrativas podem criar algo suplementar, dependendo do que se queira salientar, acabamos levando em conta que, diante de mídia, multimídia e redes onipresentes, é muito difícil, nos dias de hoje, gestarem-se mitos. No mesmo contexto, ao contrário, é tarefa bem mais fácil a criação, em série, de mentiras rebuscadas. Daria, neste quesito, para se dizer que a ausência de informação ou de informação isenta é terra fértil para a mitificação. Já a abundância de informação livre, ao contrário, gera a “desmistificação”, ou a desconstrução, deixando restar apenas a verdade, ou uma versão bem mais próxima dela. Afinal, mitos devem ser considerados, para todos os efeitos, como mentiras ou verdades?

Cícero, então com apenas alguns dias vividos, matou a charada. Disse ele, conciso: “Os mitos não foram criados para a gente pensar que são verdades”. Aquilo explodiu em nossos ouvidos e mentes de modo arrebatador. Como é que alguém, com poucos anos, poderia ser capaz de enunciar, com tamanho brilho, uma sentença que, para os papais orgulhosos, virou nada menos do que uma verdade inquestionável? “Os mitos não foram criados para a gente pensar que são verdades”. Na mosca!

Quando a gente começa a pensar em mitos ou mentiras a partir do “Axioma de Cícero”, como seriamente passamos a rotular, logo entendemos porque os mitos são, em geral, inimputáveis, irresponsáveis, inconsistentes. É claro! Eles não nos foram apresentados como verdades, mas sim como um conjunto de informações desencontradas, de versões amontoadas. Os mitos de ontem, assim como os de hoje e de amanhã, não tem qualquer relação com a realidade, com a veracidade de suas falas ou ações. São apenas criaturas moldadas à nossa própria imagem e circunstância e tal concepção as torna, ao mesmo tempo, tão divinas e perfeitas e tão humanas e precárias.

Agora, qualquer revisão que façamos a respeito de mitos modernos, mais ou menos conhecidos, de maior ou menor consenso, teremos sempre em conta que os mitos sempre existirão, pois que criados por nós. Eis porque jamais questionamos Sísifo, que teve de empurrar, para toda a eternidade, uma pedra da base de uma montanha até o topo, com a pedra rolando para baixo tão logo chegasse ao pico e tendo ele que começar tudo de novo, nem cobramos de Lula o comando de um mensalão, por exemplo. Seja o mito de Sísifo ou do operário-que-virou-presidente Lula da Silva, sempre lembraremos que a verdade dos fatos sempre passou bem longe de seus nobres protagonistas. Atribuir responsabilidades a pessoas tidas como mitos seria burlar suas próprias concepções. Seria apenas mentir mais uma vez.

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